Baseado na obra imortal de Érico
Veríssimo: O Tempo e o Vento.
Ok, isso me arrepia. E sempre vai
me arrepiar. Como me senti arrepiada durante a maior parte do tempo enquanto
assistia ao filme de Jayme Monjardim, que estreou em 27 de setembro.
Eu confesso que reluto em ver
filmes nacionais, mas nos últimos anos tenho tido gratas surpresas. Muitas vezes
eu vejo filmes nacionais por causa dos atores, como aconteceu com Qualquer Gato
Vira-Lata, uma comédia romântica que me surpreendeu, sem aqueles clichês da
Globo, com um monte de trapalhadas e confusões simplesmente por falhas na
comunicação dos personagens. O tipo de texto que ficou empobrecido e virou
roteiro de Zorra Total.
Porém, aqui estamos falando de
algo diferente. Um filme baseado num grande clássico da literatura nacional. Um
filme que não se propõe a contar uma nova história, mas apenas a recontar uma
história muitas vezes contada, lida, relida, escrita e escrita novamente, em
diversos formatos. Mais ou menos como Os Miseráveis. E há aqueles – como sempre
hão de haver – que dizem que é muito difícil recontar uma história como essas.
Ana Terra chega ao povoado de Santa Fé.
Porém, na minha opinião e na
minha análise – e essa resenha está sendo escrita por mim, portanto – quando Jayme
Monjardim se lança a recontar uma história que já foi muitas vezes repetida a
coisa muda de figura. Haja vista o que aconteceu com a série A Casa das 7
Mulheres, baseado no livro de Letícia Wierzchowski, que até então (quiçá até
hoje) não era conhecido, que não é um grande clássico, e que guardadas as
devidas proporções entre Érico e Letícia, inspirou uma história que já estava
quase batida – a guerra dos Farrapos – ou que não estava batida, mas que se
restringia a um canto inferior do nosso mapa nacional, mas que se tornou um dos
clássicos da teledramaturgia brasileira. Todo mundo adora A Casa das 7
Mulheres, mas não era todo mundo que curtia estudar a história das guerras
civis na época da escola, vamos combinar.
Mas, o que fez de O Tempo e o
Vento diferente do restante do cinema nacional pra mim?
Quem me conhece sabe que eu sou
suspeita pra falar quando se trata de uma história ambientada no Rio Grande do
Sul, nos séculos 18 e 19, (ou até mesmo se fosse nos dias atuais e... Ok,
parei.) com aqueles cenários naturais, com os trajes de uma época específica,
mas muitos outros que designam imediatamente de onde se origina o sujeito ainda
nos dias de hoje, com o típico dialeto gaúcho, também conhecido como guasca.
Resumindo, eu fico de rédeas no chão! =D
O Tempo e o Vento conta a
história do primeiro livro da saga de Érico Veríssimo, tratando da história do
ódio de duas famílias, os Amaral e os Terra-Cambará. Mas, antes disso
conhecemos a história de Ana Terra, imortalizada na TV por Glória Pires e agora
vivida por sua espetacular filha Cléo Pires.
Depois de ter sua família morta e
sua casa destruída Ana Terra parte em busca de uma nova vida, um chão para
recomeçar do zero. Ela se instala na vila de Santa Fé, fundada pelo Coronel
Ricardo Amaral. Com o passar dos anos, e de algumas gerações, a neta de Ana
Terra, Bibiana se enamora de um forasteiro, o Certo Capitão Rodrigo. Aquele mesmo
do livro que estava na lista escolar ou do vestibular se preferir, que é parte da obra original O Continente, primeiro livro da saga.
Bibiana e Rodrigo vivem uma
verdadeira história de amor, que supera o Tempo e o Vento...hehehehehe.... ;-D
No filme de Monjardim fica bem
claro como se dá a passagem do tempo. Uma estratégia (por falta de palavra
melhor, considerando a minha falta de conhecimento técnico em filmagens
cinematográficas) esteticamente linda: é escolhido um objeto de cena que tem
relação com a personagem que atua na cena e após o close no objeto a câmera
volta para a personagem, que está muitos anos mais velha.
Capitão Ricardo Amaral, vivido por José de Abreu e Paulo Goulart.
Esse artifício é usado primeiro
com Ana Terra, em que Cléo Pires é substituída pela atriz Suzana Pires, e aqui
eu devo fazer um comentário: eu não curti. Acho que foi a única coisa que não
curti no filme. Acho que poderiam ter feito uma boa maquiagem, uso de efeitos
especiais pra deixar Cléo mais envelhecida, mas nunca tê-la substituído por
outra atriz. Explico: Cléo é uma figura muito marcante. Seu rosto e traços não
são fáceis de copiar ou imitar e isso quebrou a verossimilhança da personagem.
A voz, o jeito de se mover, tudo estava fora de lugar. O artifício de passagem
do tempo foi usado também com Bibiana, personagem de Marjorie Estiano, sendo
substituída por Janaína Kremer, mas dessa vez dá certo, por que Bibiana na
idade madura não abre a boca.
Já Fernanda Montenegro é a
Bibiana centenária e que narra o filme, contando em perspectiva toda a história
de sua avó Ana Terra e de como através de 150 anos eles chegaram a situação em
que estavam: um conflito entre os Amaral e os Terra-Cambará. Naquela noite, o
casarão dos Terra-Cambará estava ameaçado de ser invadido pelos Amaral.
Sobre a atuação dos personagens,
devo dizer sobre Fernanda Montenegro. Antes de ver o filme, eu sabia que a
Bibiana seria interpretada por Marjorie e a imagem dela ainda estava fresca em
minha memória por conta da novela Lado a Lado. Só que a Marjorie aparece da
metade pro final do filme e quando eu vi a Fernanda contracenando com Tiago Lacerda
eu pensei: Essa véinha estudou os trejeitos da Marjorie, a forma dela olhar,
tocar, falar, pra poder interpretá-la mais idosa. É impressionante a semelhança
das duas e isso fica mais claro uma vez que as cenas da personagem se
intercalam entre jovem e idosa.
E por falar na protagonista
feminina da saga, fiquei chocada ao ver que, diferente das mulheres de A Casa
das 7 Mulheres, as mulheres de O Tempo e o Vento representam realmente o que
era ser mulher naquela época. Elas não abriam a boca. Simples assim. Apenas Ana
Terra tem uma fala de revolta, mas também, é a ANA TERRA, né? As demais, apenas
baixam a cabeça e aceitam seu destino. Qual destino? O secundário, o
coadjuvante. As únicas que tem destaque no filme são Bibiana, Ana Terra e uma
senhora que canta numa festa do povoado. Só. Achei digno, pela verossimilhança
e achei digno por que em A Casa das 7 Mulheres as mulheres eram as
protagonistas da história e todo o resto gravitava em torno delas, a coisa toda
existia sob a perspectiva das mulheres. Em O Tempo e o Vento não.
Outra atuação que é marcante
demais e que rouba a cena (como deveria ser) é a de Thiago Lacerda. Ele é o
perfeito Capitão Rodrigo. E eu imaginei que fosse difícil de conseguir isso sem
lembrar de Tarcísio Meira, ou Giuseppe Garibaldi. Mas, Thiaguito se supera e nos
enleva com seu Rodrigo bonachão, piadista e despachado. Uma das falas que eu
mais gostei (e que está na série de TV e no livro) é uma das primeiras do Rodrigo e que já
marca de cara como é sua personalidade. Ele entra no bar de Santa Fé, sem
conhecer ninguém e diz a todos: “Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de
prancha e nos grandes dou de talho!” (e saiba que eu não consigo ler essa frase sem o sotaque, ok?)
E depois Thiago vai encantando até
a última cena. Ele é divertido e o tempo todo a gente fica com aquela sensação
de que alguém vai apanhá-lo e dar-lhe umas palmadas por sua traquinagem. Nas
piores horas, nos momentos em que é necessário seriedade e respeito, ele transborda
seu jeito brincalhão e a plateia se esbalda em gargalhadas. Uma delícia.
E por fim, a atuação de Cléo
Pires também impressiona. Ok, também sou suspeita pra falar dela, já que se há
uma mulher que eu sou fã, tiete, assumida e descaradamente é Cléo Pires. Ela é
sensual por natureza, convenhamos. Mas, fazer Ana Terra ser sensual são outros
quinhentos. Ana Terra é bonita, de um jeito rústico, meio selvagem. Mas a Ana
de Cléo é um rio de feromônios. E por falar em rio, a mocinha (incapaz de
entender os sinais de seu corpo) começa a passar mal, uma angústia, um
siricutico que a tira da cama no meio da noite e ela não vê outra saída: vai
aquietar seu fogo por Pedro Terra nas águas do rio, literalmente, num banho sob
as saias com a mais límpida, gélida e corrente água dos pampas gaúchos. Só
vendo pra crer.
E, só vendo pra crer na
fotografia desse filme. O Tempo e o Vento de Monjardim é um colírio para os
olhos e para os amantes das belezas das terras gaúchas.
Um jeito de fazer cinema que me
conquistou. Uma história contada de forma cíclica, mas ao mesmo tempo sob uma
ótica em perspectiva. Sem ter que apelar pra comédia estilo mini-série global
ou para a violência das favelas cariocas no RJ, este filme conquista apenas
pela beleza de suas cenas, pela força com que é contada a história de um amor,
pela passagem do tempo e de como essa passagem é retratada. A mudança que o
tempo produz na vida das pessoas e ao mesmo tempo como algumas coisas permanecem
para sempre.
Não queria fazer nenhuma crítica
negativa nesta resenha, mas pra ser um texto imparcial como deve ser, vou dizer
que lamentei somente o fato de que nem todos os atores se empenharam em colocar
o sotaque gaúcho presente nas falas. Ou isso era uma questão secundária na visão
da produção e da direção. Até que fica valendo pelo fato do filme ser tão bom.
Mas, se tivessem esse cuidado, teria sido mais que 100%. Recomendo muito.
Seguem o trailer do filme, um
vídeo com um trecho da série de 1985, com Tarcísio Meira e um link com a
sinopse oficial.
Um beijo e um Báh!
Trailer O Tempo e o Vento - 2013
Série 1985
Sinopse:
Fontes: