segunda-feira, 7 de outubro de 2013

[Resenha] - O Tempo e o Vento


Baseado na obra imortal de Érico Veríssimo: O Tempo e o Vento.

Ok, isso me arrepia. E sempre vai me arrepiar. Como me senti arrepiada durante a maior parte do tempo enquanto assistia ao filme de Jayme Monjardim, que estreou em 27 de setembro.

Eu confesso que reluto em ver filmes nacionais, mas nos últimos anos tenho tido gratas surpresas. Muitas vezes eu vejo filmes nacionais por causa dos atores, como aconteceu com Qualquer Gato Vira-Lata, uma comédia romântica que me surpreendeu, sem aqueles clichês da Globo, com um monte de trapalhadas e confusões simplesmente por falhas na comunicação dos personagens. O tipo de texto que ficou empobrecido e virou roteiro de Zorra Total.

Porém, aqui estamos falando de algo diferente. Um filme baseado num grande clássico da literatura nacional. Um filme que não se propõe a contar uma nova história, mas apenas a recontar uma história muitas vezes contada, lida, relida, escrita e escrita novamente, em diversos formatos. Mais ou menos como Os Miseráveis. E há aqueles – como sempre hão de haver – que dizem que é muito difícil recontar uma história como essas.

Ana Terra chega ao povoado de Santa Fé.

Porém, na minha opinião e na minha análise – e essa resenha está sendo escrita por mim, portanto – quando Jayme Monjardim se lança a recontar uma história que já foi muitas vezes repetida a coisa muda de figura. Haja vista o que aconteceu com a série A Casa das 7 Mulheres, baseado no livro de Letícia Wierzchowski, que até então (quiçá até hoje) não era conhecido, que não é um grande clássico, e que guardadas as devidas proporções entre Érico e Letícia, inspirou uma história que já estava quase batida – a guerra dos Farrapos – ou que não estava batida, mas que se restringia a um canto inferior do nosso mapa nacional, mas que se tornou um dos clássicos da teledramaturgia brasileira. Todo mundo adora A Casa das 7 Mulheres, mas não era todo mundo que curtia estudar a história das guerras civis na época da escola, vamos combinar.

Mas, o que fez de O Tempo e o Vento diferente do restante do cinema nacional pra mim?
Quem me conhece sabe que eu sou suspeita pra falar quando se trata de uma história ambientada no Rio Grande do Sul, nos séculos 18 e 19, (ou até mesmo se fosse nos dias atuais e... Ok, parei.) com aqueles cenários naturais, com os trajes de uma época específica, mas muitos outros que designam imediatamente de onde se origina o sujeito ainda nos dias de hoje, com o típico dialeto gaúcho, também conhecido como guasca. Resumindo, eu fico de rédeas no chão! =D


O Tempo e o Vento conta a história do primeiro livro da saga de Érico Veríssimo, tratando da história do ódio de duas famílias, os Amaral e os Terra-Cambará. Mas, antes disso conhecemos a história de Ana Terra, imortalizada na TV por Glória Pires e agora vivida por sua espetacular filha Cléo Pires.

Depois de ter sua família morta e sua casa destruída Ana Terra parte em busca de uma nova vida, um chão para recomeçar do zero. Ela se instala na vila de Santa Fé, fundada pelo Coronel Ricardo Amaral. Com o passar dos anos, e de algumas gerações, a neta de Ana Terra, Bibiana se enamora de um forasteiro, o Certo Capitão Rodrigo. Aquele mesmo do livro que estava na lista escolar ou do vestibular se preferir, que é parte da obra original O Continente, primeiro livro da saga.

Bibiana e Rodrigo vivem uma verdadeira história de amor, que supera o Tempo e o Vento...hehehehehe.... ;-D

No filme de Monjardim fica bem claro como se dá a passagem do tempo. Uma estratégia (por falta de palavra melhor, considerando a minha falta de conhecimento técnico em filmagens cinematográficas) esteticamente linda: é escolhido um objeto de cena que tem relação com a personagem que atua na cena e após o close no objeto a câmera volta para a personagem, que está muitos anos mais velha.

Capitão Ricardo Amaral, vivido por José de Abreu e Paulo Goulart.

Esse artifício é usado primeiro com Ana Terra, em que Cléo Pires é substituída pela atriz Suzana Pires, e aqui eu devo fazer um comentário: eu não curti. Acho que foi a única coisa que não curti no filme. Acho que poderiam ter feito uma boa maquiagem, uso de efeitos especiais pra deixar Cléo mais envelhecida, mas nunca tê-la substituído por outra atriz. Explico: Cléo é uma figura muito marcante. Seu rosto e traços não são fáceis de copiar ou imitar e isso quebrou a verossimilhança da personagem. A voz, o jeito de se mover, tudo estava fora de lugar. O artifício de passagem do tempo foi usado também com Bibiana, personagem de Marjorie Estiano, sendo substituída por Janaína Kremer, mas dessa vez dá certo, por que Bibiana na idade madura não abre a boca.

Já Fernanda Montenegro é a Bibiana centenária e que narra o filme, contando em perspectiva toda a história de sua avó Ana Terra e de como através de 150 anos eles chegaram a situação em que estavam: um conflito entre os Amaral e os Terra-Cambará. Naquela noite, o casarão dos Terra-Cambará estava ameaçado de ser invadido pelos Amaral.

Sobre a atuação dos personagens, devo dizer sobre Fernanda Montenegro. Antes de ver o filme, eu sabia que a Bibiana seria interpretada por Marjorie e a imagem dela ainda estava fresca em minha memória por conta da novela Lado a Lado. Só que a Marjorie aparece da metade pro final do filme e quando eu vi a Fernanda contracenando com Tiago Lacerda eu pensei: Essa véinha estudou os trejeitos da Marjorie, a forma dela olhar, tocar, falar, pra poder interpretá-la mais idosa. É impressionante a semelhança das duas e isso fica mais claro uma vez que as cenas da personagem se intercalam entre jovem e idosa.

E por falar na protagonista feminina da saga, fiquei chocada ao ver que, diferente das mulheres de A Casa das 7 Mulheres, as mulheres de O Tempo e o Vento representam realmente o que era ser mulher naquela época. Elas não abriam a boca. Simples assim. Apenas Ana Terra tem uma fala de revolta, mas também, é a ANA TERRA, né? As demais, apenas baixam a cabeça e aceitam seu destino. Qual destino? O secundário, o coadjuvante. As únicas que tem destaque no filme são Bibiana, Ana Terra e uma senhora que canta numa festa do povoado. Só. Achei digno, pela verossimilhança e achei digno por que em A Casa das 7 Mulheres as mulheres eram as protagonistas da história e todo o resto gravitava em torno delas, a coisa toda existia sob a perspectiva das mulheres. Em O Tempo e o Vento não.


Outra atuação que é marcante demais e que rouba a cena (como deveria ser) é a de Thiago Lacerda. Ele é o perfeito Capitão Rodrigo. E eu imaginei que fosse difícil de conseguir isso sem lembrar de Tarcísio Meira, ou Giuseppe Garibaldi. Mas, Thiaguito se supera e nos enleva com seu Rodrigo bonachão, piadista e despachado. Uma das falas que eu mais gostei (e que está na série de TV e no livro) é uma das primeiras do Rodrigo e que já marca de cara como é sua personalidade. Ele entra no bar de Santa Fé, sem conhecer ninguém e diz a todos: “Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!”  (e saiba que eu não consigo ler essa frase sem o sotaque, ok?)


E depois Thiago vai encantando até a última cena. Ele é divertido e o tempo todo a gente fica com aquela sensação de que alguém vai apanhá-lo e dar-lhe umas palmadas por sua traquinagem. Nas piores horas, nos momentos em que é necessário seriedade e respeito, ele transborda seu jeito brincalhão e a plateia se esbalda em gargalhadas. Uma delícia.

E por fim, a atuação de Cléo Pires também impressiona. Ok, também sou suspeita pra falar dela, já que se há uma mulher que eu sou fã, tiete, assumida e descaradamente é Cléo Pires. Ela é sensual por natureza, convenhamos. Mas, fazer Ana Terra ser sensual são outros quinhentos. Ana Terra é bonita, de um jeito rústico, meio selvagem. Mas a Ana de Cléo é um rio de feromônios. E por falar em rio, a mocinha (incapaz de entender os sinais de seu corpo) começa a passar mal, uma angústia, um siricutico que a tira da cama no meio da noite e ela não vê outra saída: vai aquietar seu fogo por Pedro Terra nas águas do rio, literalmente, num banho sob as saias com a mais límpida, gélida e corrente água dos pampas gaúchos. Só vendo pra crer.


E, só vendo pra crer na fotografia desse filme. O Tempo e o Vento de Monjardim é um colírio para os olhos e para os amantes das belezas das terras gaúchas.
Um jeito de fazer cinema que me conquistou. Uma história contada de forma cíclica, mas ao mesmo tempo sob uma ótica em perspectiva. Sem ter que apelar pra comédia estilo mini-série global ou para a violência das favelas cariocas no RJ, este filme conquista apenas pela beleza de suas cenas, pela força com que é contada a história de um amor, pela passagem do tempo e de como essa passagem é retratada. A mudança que o tempo produz na vida das pessoas e ao mesmo tempo como algumas coisas permanecem para sempre.


Não queria fazer nenhuma crítica negativa nesta resenha, mas pra ser um texto imparcial como deve ser, vou dizer que lamentei somente o fato de que nem todos os atores se empenharam em colocar o sotaque gaúcho presente nas falas. Ou isso era uma questão secundária na visão da produção e da direção. Até que fica valendo pelo fato do filme ser tão bom. Mas, se tivessem esse cuidado, teria sido mais que 100%. Recomendo muito.
Seguem o trailer do filme, um vídeo com um trecho da série de 1985, com Tarcísio Meira e um link com a sinopse oficial.

Um beijo e um Báh!

Trailer O Tempo e o Vento - 2013




Série 1985


Sinopse:

Fontes: